No final da semana passada, com os microfones e as câmaras à frente, José Sócrates explicou ao país que “uma coisa era o Primeiro-Ministro a falar no Parlamento; outra coisa eram as conversas privadas dele com um amigo”. Ou seja, Sócrates justificou-se com a velha história da dupla personalidade, tão do agrado dos portugueses.
Uma coisa é ele “como Primeiro-Ministro”, outra coisa é o “Nando Vara e o Zé”, amigos de longa data e de muitas patuscadas, a trocarem umas larachas e umas ideias ao telelé. São obviamente duas pessoas diferentes, certo? Sócrates “como primeiro-ministro” não é a mesma pessoa que “o Zé amigalhaço”. Aquilo que se aplica a um, em termos de regras e deveres, não se aplica necessariamente ao outro.
Isto, é preciso dizer, é tipicamente português. Quantas vezes já ouvimos alguém dizer na televisão: “Bem, a minha opinião pessoal é diferente, mas como director deste serviço penso que...”, ou “como pai, penso isso, agora como advogado, é preciso levar em conta que...” Para se justificarem, ou para se safarem de situações incómodas, os portugueses usam muitas vezes este artifício, este leve sintoma de esquizofrenia, esta pequena manifestação de dupla personalidade.
Como se fossem seres divisíveis, e pudessem existir inconsistências entre as várias partes. Ele é o pai, o marido, o director da empresa, o fã de clube de futebol, mas obviamente o pai e o marido, que são uma e a mesma pessoa, podem ter opiniões contraditórias; e claro que o mesmo se passa entre o director da empresa e o pai. Como quem diz, “eu enquanto pai até posso pensar assim, mas como sou director, pá, estás lixado e vai mas é trabalhar!”
Infelizmente para ele, José Sócrates não é um português qualquer, e pertence mesmo àquele pequeno grupo de portugueses a quem não se pode aplicar estes conceitos tão lusitanos de dupla personalidade ao sabor das circunstâncias. Ele é primeiro-ministro, e é primeiro-ministro sempre.
Esteja ele a falar com os amigos, com os filhos, com a namorada ou com o carteiro, é sempre primeiro-ministro, e não pode suspender os seus deveres e a sua ética só porque está a ter uma “converseta” com um amigo. A dupla personalidade é um luxo de que muitos portugueses gostam de usufruir, mas não é um luxo utilizável por um primeiro-ministro. Não sei se o que os amigalhaços Nando e Zé disseram entre si é grave ou criminoso, mas sei pelo menos que Sócrates revelou uma perigosa inconsciência.
Domingos Amaral, Director da GQ
Uma coisa é ele “como Primeiro-Ministro”, outra coisa é o “Nando Vara e o Zé”, amigos de longa data e de muitas patuscadas, a trocarem umas larachas e umas ideias ao telelé. São obviamente duas pessoas diferentes, certo? Sócrates “como primeiro-ministro” não é a mesma pessoa que “o Zé amigalhaço”. Aquilo que se aplica a um, em termos de regras e deveres, não se aplica necessariamente ao outro.
Isto, é preciso dizer, é tipicamente português. Quantas vezes já ouvimos alguém dizer na televisão: “Bem, a minha opinião pessoal é diferente, mas como director deste serviço penso que...”, ou “como pai, penso isso, agora como advogado, é preciso levar em conta que...” Para se justificarem, ou para se safarem de situações incómodas, os portugueses usam muitas vezes este artifício, este leve sintoma de esquizofrenia, esta pequena manifestação de dupla personalidade.
Como se fossem seres divisíveis, e pudessem existir inconsistências entre as várias partes. Ele é o pai, o marido, o director da empresa, o fã de clube de futebol, mas obviamente o pai e o marido, que são uma e a mesma pessoa, podem ter opiniões contraditórias; e claro que o mesmo se passa entre o director da empresa e o pai. Como quem diz, “eu enquanto pai até posso pensar assim, mas como sou director, pá, estás lixado e vai mas é trabalhar!”
Infelizmente para ele, José Sócrates não é um português qualquer, e pertence mesmo àquele pequeno grupo de portugueses a quem não se pode aplicar estes conceitos tão lusitanos de dupla personalidade ao sabor das circunstâncias. Ele é primeiro-ministro, e é primeiro-ministro sempre.
Esteja ele a falar com os amigos, com os filhos, com a namorada ou com o carteiro, é sempre primeiro-ministro, e não pode suspender os seus deveres e a sua ética só porque está a ter uma “converseta” com um amigo. A dupla personalidade é um luxo de que muitos portugueses gostam de usufruir, mas não é um luxo utilizável por um primeiro-ministro. Não sei se o que os amigalhaços Nando e Zé disseram entre si é grave ou criminoso, mas sei pelo menos que Sócrates revelou uma perigosa inconsciência.
Domingos Amaral, Director da GQ
1 comentário:
Subscrevo inteiramente...
Não basta parecer ser, há que ser...Sério!
Enquanto se está ao serviço do País ( seja em que título ou posição de poder) a ética,a conduta pessoal e política devem ser sempre intocáveis e coerentes.
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